
Dessas caixas surgiram pedais como o Univibe e outras tentativas de simular o "som Leslie", um dos mecanismos mais interessantes e intrigantes criados naquela época, eu garanto!
Antes de começarmos, o convido a ver 60 segundos da caixa leslie funcionando com esse sujeito que fez um vídeo tocando Green Onions, e em seguida continuar lendo o artigo ouvindo esse som enquanto compreende como ele foi criado:
Don Leslie, o cara que consertava rádios:
Na década de 30 começavam a surgir os primeiros Hammonds e o Sr. Leslie, também músico amador, tinha um em sua casa. Apesar de apreciar o instrumento ele dizia que o timbre era sem vida.
Por volta de1937-1938 uma pickup passou por ele com um sistema de som montado na caçamba, com cornetas como ainda é usado. Era um anúncio de propaganda política mas Don notou que a medida que ele se aproximava e distanciava o som parecia ter mudado a sua tonalidade, o que ele experienciou o Efeito Doppler. Lembre-se que ainda não havia nada parecido com Chorus, Phaser, Flanger ou efeitos de modulação e agora ele estava tentado a tentar recriar esse efeito de alguma maneira para dar vida ao som seco do seu Hammond.
No outro dia ele foi até uma loja comprar um autofalante barato e tentar acopla-lo a uma estrutura giratória que distribuisse o seu som pela sala. Nascia a Caixa Leslie.
O mundo é um lugar pequeno:
Um organista de studio que trabalhava para uma rádio da época, Bob Mitchel, por uma coincidência feliz, comentou com a Srta. Carolyn Leslie (sim, a esposa do cara!) que trabalhava nessa mesma rádio que achava o som do seu Hammond seco e sem vida e pretendia troca-lo por um órgão de tubo pelo som fluido. Carolyn disse: "Não compre nada até ouvir a invenção do meu marido!"
Em uma manhã de domingo em Altadena na California na sala de estar do Sr. Leslie o Sr. Mitchel se sentou e tocou o instrumento, alguns segundos depois Leslie ativa uma chave e o assombra, a vida estava ali!
Bob, o cara egoísta:
O Sr. Mitchel com algum trabalho convenceu Williard Brown, o diretor de programação da KFI a comprar uma dessas caixas tão especiais e com a condição de que nenhum outro organista da rádio deveria usa-la, seria o timbre dele e ele não queria ninguém copiando.
Ainda sim Mitchel apresentou Leslie a Williard Brown, que colocou alguns engenheiros da CalTech para trabalhar no projeto da sua caixa, mas, nas palavras de Leslie: "Eles arruinaram a ideia por não ter entendido o conceito e sua versão não funcionava muito bem. Além disso Brown desistiu do projeto quando ele tentou patentear a invenção e descobriu ser impossível por um projeto parecido feito em 1920 de um fonógrafo que girava 3 cornetas para que todas as pessoas da sala ouvissem a música.
Brown disse ao Leslie para refazer o design de maneira a diferencia-lo da outra patente e poder produzi-lo. Depois de alguns experimentos Leslie chegou ao modelo com as cornetas e um refletor de graves montado em um gabinete.
Propaganda e comercialização:
Leslie gravou alguns takes do Bob Mitchel tocando seu hammond em uma caixa Leslie, segundo eles a primeira música gravada usando essa combinação foi “Tea for Two". Também instalaram um modelo no "Mona Lisa bar" (onde Mitchel era o músico da casa), próximo ao "Penny-Owsley Music Store" (casa dos os representantes da Hammond) e as pessoas da Music Store começaram a vir até o bar, intrigadas pelo som daquele Hammond em particular, perguntando ao Mitchel como ele conseguia aquele timbre, mas Don Leslie havia lacrado sua caixa de maneira a ninguém conseguir visualizar o que havia dentro.
Após algum tempo deixando a curiosidade dos músicos crescer, Leslie se ofereceu para levar um modelo para demonstrar na loja, e o Sr. Penny-Owsley convidou cerca de 50 organistas para conhecer a novidade.
Apesar de todos terem ficado impressionados com o som e querer ter sua própria caixa Leslie, a Hammond não ligou para Don no prazo estipulado por ele e o próprio começou a criar e comercializar essas caixas sem patrocínio ou sociedade com a Hammond, que apenas 17 anos mais tarde ligou para tentar comprar os direitos sobre o projeto. Tarde demais. Não conseguindo o que queria a Hammond tentou recriar o efeito com vários projetos mas nenhum deles conseguiu diminuir o brilho do original.
Contada a história, vamos a parte técnica!
Efeito Doppler:

Para quem pulou essa materia do colegial ou só não está bem lembrado, o efeito Doppler é a mudança de frequência de uma onda quando há um movimento ocorrendo entre a fonte e o observador da mesma.
Simplificando: Se há uma fonte sonora em movimento (como um carro tocando música, passando por você) ou se você está passando em frente à uma casa de shows você está testemunhando o efeito Doppler. Vale lembrar que ele também funciona para outro tipo de ondas, a luz por exemplo.
Para ficar mais fácil visualizar o motivo disso, a primeira imagem mostra uma fonte parada emitindo ondas de uma determinada frequência "f". Observe que elas são simétricas e constantes.
A segunda imagem demonstra uma fonte em movimento, e é notável a diferença da distância entre as ondas do lado esquerdo e do lado direito. Podemos afirmar que um observador à esquerda estaria ouvindo uma frequência mais baixa do que a emitida originalmente, ao passo que um observador a direita estaria ouvindo uma frequência mais alta.
Não vou entrar em mais detalhes para não fugir muito ao assunto do tópico, mas o efeito doppler é um grande responsável pela sonoridade da caixa Leslie e isso deve o bastante para compreender o princípio.
Estrutura e funcionamento:
A foto ao lado é de uma "Leslie 122" original, vale lembrar que outros modelos foram produzidos e utilizados, mas os que se consagraram e se tornaram lendários foram os que usaram esse design.
Observando a parte de baixo notamos um amplificador valvulado para o conjunto, um autofalante de 15" para os graves e um motor ligado a uma peça de madeira abaixo dele, funcionando como defletor (essa peça que gira) acoplado ao autofalante.
Na parte de cima um driver de médios (que está coberto) é ligado a duas cornetas que também são giradas por um segundo motor no sentido contrário ao giro do conjunto de graves.
Acontecem 3 efeitos aqui:
- FM: Modulação de frequência, o efeito doppler.
- AM: Modulação de amplitude, a perda de "volume" que é notada quando os defletores não estão apontando para você, por motivos óbvios.
- Reverberação dinâmica: Com a fonte sonora girando dentro de uma caixa as reflexões acontecem em distâncias e ângulos diferentes antes de sairem pelo duto e refletirem na sala onde a caixa está.
Leslie criou modelos diferentes desse mas com o mesmo objetivo de recriar o efeito Doppler e por vários motivos, incluindo o elevado preço e rara disponibilidade, alguns hobbystas chegaram a construir suas próprias Leslies. A foto ao lado mostra uma forma criativa de criar uma Leslie a partir de coisas que o inventor tinha disponíveis.
Alternativas e simuladores:
Além de não serem exatamente leves e praticas de serem carregadas, exigirem manutenção cuidadosa e especializada, geralmente são caras e difíceis de serem encontradas, então algumas empresas criaram efeitos que simulam a Leslie, alguns exemplos são:
- DLS RotoSIM
- Hughes & Kettner Rotoshpere
- Boss RT-20
- Neo Ventilator
Univox Univibe:
O efeito que realmente ficou famoso para a guitarra, apesar de não ser o mais próximo da Leslie (por ironia do destino, talvez) foi o Univibe, também por causa do Hendrix, que já havia popularizado o fuzz e o wah-wah. Depois ele também viria a ser recriado por várias empresas na forma de dezenas de pedais que partiram desse ancestral comum.
Vale ressaltar que enquanto caixas Leslie tinham uma chave para selecionar a velocidade de rotação entre rápida e lenta, o univibe tinha um pedal de expressão para controla-la em qualquer ponto entre o mínimo e o máximo, permitindo um ajuste fino e mudanças durante a execução do instrumento. Talvez futuramente eu escreva um artigo apenas a respeito dessa outra peça de tecnologia a favor dos guitarristas nascida em 70.
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