14 de ago. de 2014

A Cultura Hacker/Maker/DIY

É estatístico: Mais informação é colocada na internet em um dia do que uma pessoa poderia "consumir" ao longo de toda a sua vida. Ao mesmo tempo ferramentas de desenvolvimento que 10 ou 20 anos atrás podiam custar pequenas fortunas foram substituídas por Arduinos de 30 reais ou menos.
Um dos efeitos mais notáveis é que as pessoas estão se interessando mais por construir seus próprios projetos (makers) ou modificar projetos existentes para servir melhor as suas necessidades (hackers). Hoje é fácil construir seu pedal de guitarra vintage, seu módulo de automação residencial, seu carrinho de controle remoto com câmera espiã e transmissor de vídeo e o que mais você quiser, mas antes devo fazer alguns alertas a quem está chegando agora para poder posteriormente discutir temas relevantes à essa comunidade.
Antes mesmo de começar, se você está interessado na área, convido-o a conhecer algumas das verdades (ácidas) sobre o "Faça você mesmo" (DIY).

DIY não combina com preguiça:
Se você não gosta de ler e aprender coisas novas, realizar experimentos, falhar, falhar novamente e eventualmente ser bem sucedido, se você vê um artigo sobre DIY e ao invés de ler o texto todo vê as fotos e vai direto pra sessão de comentários e pergunta algo que já tinha sido explicado no primeiro parágrafo ou se você entra em um fórum, cria um tópico sobre um tema já abordado por preguiça de usar a pesquisa, dá up de 5 em 5 minutos e em 1 hora diz que todos os membros são intolerantes com iniciantes e arrogantes, DIY NÃO É PARA VOCÊ.

DIY não combina com pechincha: Na categoria de "gambiarras" talvez, mas se tratando de makers/hackers sérios, existe um investimento inicial em ferramentas, componentes eletrônicos e outras peças que, principalmente no começo, você vai estragar, por inexperiência. Sempre que vejo um tutorial orientado a novatos e com a lista de componentes dizendo "é baratinho" eu sinto pena das pessoas que não levam em consideração o real investimento envolvido e ferramentas e componentes de melhor qualidade obviamente criam projetos de maior qualidade. Se você quer entrar na onda do DIY porque "é baratinho", DIY NÃO É PARA VOCÊ.

DIY exige tempo e determinação: Em uma tradução livre das sábias palavras de Samuel Beckett, "Tente. Falhe. Não importa. Falhe de novo. Falhe melhor". Principalmente quando estiver tentando algo novo, você vai passar mais tempo falhando, descobrindo o motivo e tentando consertar seus erros do que de fato construindo ou programando. É parte natural do desenvolvimento de um projeto esbarrar em dificuldades o tempo todo. Se você se irrita facilmente ou desiste na primeira dificuldade, DIY NÃO É PARA VOCÊ.

DIY é uma cultura, um estilo de vida: Como vou discorrer ao longo do artigo, existe uma geração de makers/hackers que sonhou com uma rede de livre troca de informação e viu a internet ser "fundada" e prover acesso a todos e uma geração posterior de aspirantes a hackers/makers preguiçosos e incoerentes que envergonham a comunidade DIY com as suas atitudes e severa falta de bom senso.

Feitas as devidas considerações, o artigo começa aqui:


O paradigma maker/hacker da velha escola:
 Se você cursa algo na área de tecnologia ou é um entusiasta bem informado sabe que duas ou três décadas atrás peças e ferramentas eram caras, difíceis de conseguir ou ambas as coisas. Compram-se revistas como "Elektor", "Electronic Today" e outras para se ter acesso a esquemas elétricos e instruções para montar uma fonte regulada para se ter na bancada (pois era muito caro comprar uma), dimmers para luz, computadores com Z80.
Geralmente a parte mais didática era o fato de vários esquemas conterem erros e você acabar solucionando os problemas antes de sair a próxima edição com a errata. Várias pessoas aprenderam até o inglês lendo tais artigos em revistas americanas.
Hoje se programa, compila e grava na placa em um clique, se o programa não funcionar você altera uma linha e aperta F9 de novo, certo? Naquela época se extraia a memória da placa, a compilação e gravação demorava alguns minutos e se algo não saísse como o previsto essas memórias precisavam ficar 30 minutos sendo banhadas em luz ultravioleta para serem apagadas antes de se repetir o processo. Programadores dessa época não se davam o luxo de usar o método "POTE", Programação Orientada a Tentativa e Erro.

O Paradigma atual:
Temos projetos de ensinar programação nas escolas, temos arduinos, temos raspberries e temos uma centena de tutoriais diferentes sobre todas as coisas que há para se aprender, sejam elas concretas ou subjetivas e seja você um completo desinformado ou um conhecedor do assunto buscando aperfeiçoamento e/ou outros métodos e pontos de vista. Temos crianças carregando tablets mais poderosos do que os computadores que levaram o homem a lua e famílias que vivem de um salário mínimo com um smartphone para cada membro.

Tudo está disponível e o problema é que é fácil ficar a deriva nesse mar de informação. Se você disser aos seus pais que foi checar o correio eletrônico as 8 horas da manhã, deu uma passada no site do banco para checar a fatura do cartão, viU uma notícia sobre o seu time e quando se deu conta era meio dia e você estava lendo um artigo sobre o estilo de vida dos Aborígenes Australianos e tem mais uma aba aberta sobre o sabor de sorvete que o Tom Cruise tomou nas férias em Cancun e outra com as 10 dicas dos especialistas sobre como investir em ações (mesmo que você nem tenha dinheiro disponível para isso nem se interesse realmente em faze-lo) eles vão achar no mínimo estranho.

Guia do Náufrago:
Eu cito aqui esse problema porque os verdadeiros makers/hackers são pessoas que ficam maravilhadas com a possibilidade de aprender coisas novas e são mais susceptíveis ao maior problema do excesso de informação da nossa era: O mal-julgamento da relevância.
Especialistas alertam que as pessoas bem sucedidas da nossa geração serão as que conseguirem administrar o tempo e separarem as informações em categorias de relevância, aprendendo o necessário e desenvolvendo algo com o que se tem e fazendo pesquisas adicionais à medida que for necessário. Certamente existe um universo fascinante de coisas a se saber, mas, sem priorizar o que realmente importa é impossível fazer bom proveito desse conhecimento adquirido e você só se tornou um "pequeno pendrive" contendo um pedaço da internet dentro de si que apesar de soar interessante em uma conversa com amigos, ainda tem menos conteúdo do que o celular com 3G deles. Organize-se!

Startups e Crowdfunding:
Você tem uma ideia que pode solucionar um problema das pessoas, melhorar a qualidade de um serviço existente ou criar um novo e não tem capital para começar? A internet não te conecta somente a informações, ela te conecta a pessoas com interesses e objetivos semelhantes e por vezes com condições iniciais diferentes. Pessoas dos mais diversos lugares do mundo tem seus projetos patrocinados por investidores de outros países que acreditaram em seus projetos ao encontra-los na rede, sejam eles empresários visando lucro, sejam outros hackers/makers solidários em campanha para viabilizar sua criação ou pessoas normais esperando para adquirir a sua solução.

Open-Source:
Se você vive de outra ocupação e desenvolveu algo interessante e não tem interesse em lucrar com isso, não guarde para você! Existem sites onde se compartilham desde trechos de código, bibliotecas e circuitos até projetos completos. Se possível documente atentamente cada etapa, cada função e cada peça fundamental para desenvolver o seu projeto. Você provavelmente aprendeu com relatos, ajuda e documentos de outras pessoas que fizeram o mesmo. Compartilhe!





Fechando a conta:
Todos temos desde maletas e gaveteiros até armários cheios de componentes eletrônicos, módulos e material de estudo e desenvolvimento das nossas atividades. Minha experiência pessoal é todo mês comprar uma cota do meu cartão de crédito no ebay em módulos, displays, sensores e "coisas interessantes" com as quais eu gostaria de fazer experimentos e futuramente desenvolver alguma coisa. O problema é quando você erra a proporção de quantidade de material comprado para quantidade de projetos desenvolvidos e/ou concluídos. Pesquisa pode custar bem caro.
A solução que eu encontrei foi criar projetos específicos que despertam o interesse de algumas dezenas de pessoas e rodar uma pequena produção para venda com uma margem de lucro que possibilite pagar o investimento nesse projeto e financiar projetos futuros. Dessa maneira essas pessoas estão indiretamente bancando a sua pesquisa e te ajudando a criar coisas novas e satisfazer sua curiosidade científica e/ou consumismo patológico.

Networking:
Como dito anteriormente, é muito mais fácil se conectar a pessoas que fazem as mais diversas coisas e isso tem um impacto direto na sua capacidade criativa. Se você vai usar placas de circuito impresso em grande quantidade, considere cotar em uma fábrica especializada. Se vai fazer algumas peças de rack ou precisa de uma caixa específica para o seu projeto, considere cotar em algumas empresas do ramo. Mas além disso, existem Makers e Hackers em todas essas áreas que fizeram suas próprias produções de PCB, dobradeiras, CNCs, ferramentas de usinagem e poderiam produzir essas peças para o seu projeto. Nunca subestime o poder dos contatos! Existem pessoas fantásticas fazendo coisas incríveis por todos os cantos da internet e podem vir a lhe ajudar e até receberem sua ajuda.

3 comentários:

  1. Ótimo artigo, porém discordo com essa visão radical e quase "religionária" de muitos makes de que ou você faz do jeito mais difícil, tendo que estudar até sobre a evolução da eletrônica, ou você não é "digno" de estar no movimento maker/diy.
    Essa visão vem, em sua maioria, de dois grupos (generalizando um pouco):
    - Os que estão na eletrônica desde muito tempo (old-school), que acham injusto um jovem comprar um kit de arduino e em 10 minutos conseguir escrever um "hello world" num lcd sem nunca ter tido contato com eletrônica antes, e se revoltam dizendo "no meu tempo não era assim...", "qual a graça disso?", "está errado, você tem que entender tudo o que está acontecendo primeiro", e coisas do tipo.
    - O segundo grande grupo consiste em pessoas que utilizam seu interesse em maker/diy como muleta social, e por ser uma coisa que nem todos fazem acabam se gabando disso, como uma medalha "Sou um Maker". E como boa muleta social, não são todos que podem fazer parte disto, certo? se não seria fácil demais e minha "medalha" não valeria mais nada. Por isso eles tendem a desincentivar os novos entrantes com argumentos diminutivos.
    Ambos os grupos somente exercem o papel de desincentivar pessoas que acabaram de descobrir o mundo maker/diy e estão ávidas por mais.
    Aquele garoto que só queria fazer um alarme para o cachorro, ou só acender uma lâmpada, e a partir daí conheceu o arduino e foi crescendo, aprendendo com os próprios erros.
    A melhor vantagem do arduino é a possibilidade de aprender com erros, de baixar um programa complexo da internet e ir fazendo pequenas modificações, errando e corrigindo, descobrindo e misturando. Não é porque no seu tempo isso era impossível, ou porque ele não fez um curso de eletrônica que isso não presta. Pelo contrário, isso é melhor! Mais pessoas criando e se desenvolvendo.
    Sou engenheiro e trabalho muito, tenho o makey/diy como hobbie, não tenho tempo pra ficar montando uma pcb com 8 relés ou escrever um programa gigantesco somente para me comunicar com um sensor i2c.
    Não é isto que me interessa, eu busco o resultado. Prefiro comprar módulos prontos no ebay sem saber o que são metade dos componentes, e baixar uma biblioteca pronta, do que passar dias e dias estudando a essência de tudo.
    Se tenho um problema ou uma visão de inovação, gosto de ir atrás do resultado. O estudo faz parte do processo, mesclado, e não o precede (como muitos afirmam).
    Então, quando alguém surgir com uma pergunta do tipo "sou novo no arduino, como faço para criar um dispositivo com LCD, GPS, e etc...", ao invés de criticar, abaixar a bola, mandar ler 100000 livros técnicos e "começar por baixo", incentive-o! Faça-o pensar grande! O resto é consequência.

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    1. Concordo contigo sobre a descrição dos dois tipos citados, e os acho tão caricatos e ruins para a classe maker quanto os próprios preguiçosos. Também acho que deve-se incentivar as pessoas a seguirem esse caminho, mas pelas razões certas. O que mais vejo são argumentos como "é fácil" e "é baratinho" quando na verdade nem sempre as coisas ocorrem dessa maneira. Pra quem quer fazer algo simples rola, pra quem quer criar um sistema mais complexo, nem tanto.
      Obrigado pela leitura e por manifestar a sua opinião!

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    2. Gostaria de adicionar que também sou entusiasta do Arduino e tanto já usei libraries como escrevi as minhas próprias e acho fantástico o amplo espectro de possibilidades de tal projeto e a responsabilidade do mesmo pela "revolução diy" no mundo todo e não acho que é vital que os usuários compreendam a arquitetura RISC, instruções em Assembly ou tenham usado a AVR-GCC da GNU-Tools ou o AVR Studio para escrever seus "hello world" por ai.
      Porém, permita-me dizer que grande parte das dúvidas em fóruns vem do fato justamente dessas pessoas desconhecerem tais coisas. Quando elas começam a modificar o código elas esbarram em conflitos com os "Timers" do microcontrolador, tentam usar PWM em pinos sem essa função e portar um código de um microcontrolador para outro sem os mesmos recursos.
      Existem tantas camadas de abstração que fica muito mais difícil encontrar o erro no código, porque ele por muitas vezes está na biblioteca ou na própria IDE que não foi escrita pensando nisso, e esses fatores podem acabar atrapalhando o processo de aprendizado se o indivíduo não tivera consciência que Arduinos são microcontroladores da Atmel rodando uma linguagem abstrata baseada em C++ e Processing com bibliotecas próprias que utilizam outras bibliotecas (AVR-GCC) para fazer o que fazem e ler alguns datasheets e documentações que não vem com o Arduino.

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